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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Deixar ir... sobre a arte de aceitar o fim....


                              


Fomos a melodia mais doce que um dia meu coração ousou chamar de amor. Exibíamos composições sinceras, notas que não se sobressaiam e um arranjo suave de dois instrumentos que dia após dia iam se afinando conforme pedia a música, até encontrar a harmonia no mais sublime tom. Éramos jovens, inexperientes e incontrolavelmente impulsivos, entregando corpo, alma e vísceras naquele relacionamento que ainda era jardim de um só botão. Vivemos cúmplices, intensos e guerreiros, sugando até a última gota aquele fio de amor que se enrolava no apego. Quando caímos em si, o oxigênio que alimentava aquela chama deixou de ser comburente para se dissipar no universo desconhecido da solidão. E agora, quem sou eu depois de nós?!
Aceitar o fim de uma relação, principalmente quando ela é recheada de memórias, cicatrizes e história, é uma das coisas mais dolorosas de se fazer na vida. Uma renúncia nossa, do outro, de um “nós” construído a duras verdades ao longo de uma travessia, que de uma hora para a outra precisa se esvair para debaixo de um tapete chamado passado. A gente sabe que acabou, o universo demonstra a todo instante que acabou, mas aquela pontinha generosa de ternura segurando esse amor pelo dedo ainda permanece firme e forte impedindo a transposição dos sentimentos. Porque era lindo, era sólido, era pra sempre, só que não foi. E na maioria das vezes a gente nunca sabe o que fazer com aquela metade que fica de todo um inteiro que foi embora. Resta escolher se o que fica desta parceria é uma lembrança gostosa de um amadurecimento individual que foi construído ou uma cicatriz amarga de um sentimento que abriu espaço, pediu passagem, mas simplesmente não perdurou, criando buracos recheados de tormenta e desassossego.
Tem quem se descobre no luto e, no silêncio da dor encontra as respostas para todos os “poréns” do relacionamento. Que aceita o distanciamento como parte do processo de maturidade pessoal e, entende que o caminho é particular e absolutamente intransferível, impossível de ser percorrido por vontades alheias. Porque o universo tem meios estranhos de abrir portas e fechar frestas que, por vezes, não ficam claros no momento da separação. Parceiros que se despedem com um sorriso no rosto, sem barracos, sem humilhações, sem provocar feridas desnecessárias, sem mendigar a estadia de um romance que já comprou sua passagem de volta pra casa. Gente que deixa no abraço sincero de adeus uma possível brecha para uma futura amizade.
Tem ainda quem encontra na dor, um abrigo. Quem abraça o sofrimento como se fosse a personificação do amor que foi embora. Incapaz de permitir que os sentimentos alterem sua trajetória tem quem faz daquela solidão momentânea a morada eterna de uma saudade. Guarda rancor, mágoa, remorso, revira todo aquele lixo emocional que deveria ficar para trás junto com tudo que não valeu a pena e acaba encontrando no meio dos destroços pedaços de si que não se recompuseram. Gente que sem perceber, boicota seu próprio processo de superação permanecendo estagnado em um ciclo afetivo que já finalizou, enquanto o resto do mundo continua seguindo sua órbita.
Saber aceitar de coração tranquilo e peito aberto o findar de um período de troca é um dos maiores gestos de coragem do ser humano. Quem é você depois de um relacionamento depende, única e exclusivamente, do seu livre arbítrio. Vestir a máscara da dor ou da permissividade é escolha que vem de dentro da gente. Mais importante do que saber entrar em uma vivência é saber sair. Olhar para a janela daquela morada que está se fechando e suspirar com a paz de deixar a mesa posta, a cama feita, as toalhas estendidas e a casa arrumada. É ser completamente grato por aquela vivência a dois, pela devoção, pelo investimento, pelo tempo que foi destinado àquele sentimento e conseguir ser pleno pela felicidade que foi dividida, pela chance de caminhar por aquela avenida e pela sorte de ter conhecido alguém que, bem ou mal, agregou valores ao nosso caminho. Poucas coisas fazem um cafuné tão gostoso na alma da gente como a certeza de que nossa passagem por aquela travessia foi recheada de respeito e consideração. E acima de tudo, prosseguir com a tranquilidade de que o amor soube sair, tal e qual pediu licença para entrar: sorrateiro, gentil e suave como merece e tem que ser.

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